Hoje, a minha conversa tem como pano
de fundo o Rio Tejo, uma Lisboa cheia de luz e um Fado vivo na companhia de uma
guitarra e de Marco Rodrigues.
Retenham bem este nome, ouçam a voz
e as letras e sintam as guitarras… esta conversa é apenas uma amostra do que
Marco Rodrigues tem feito pelo Fado.
A prova de que sempre que colocamos
paixão no que fazemos, o resultado só pode ser um forte aplauso da plateia…
Foto de Carlos Mateus de Lima
Nasce em Amarante, vive em Arcos de
Valdevez…como se chega a Lisboa e se fica (agora, no coração do Bairro Alto com
a Adega Machado)? Como surge Lisboa na
sua vida com um amor tão grande?
Surge
de forma muito natural. Fui descobrindo Lisboa a partir da adolescência. Nessa
fase da nossa vida estamos sempre à descoberta de novas sensações e
experiências e, para alguém que acabava de chegar do norte do país, a capital
foi desde logo um deslumbramento.
“Simplesmente aconteceu” ser fadista?
Como nasce o Marco Rodrigues-fadista e que influências tem e de onde? Da casa
de Amália? Dos bairros lisboetas?
Eu já cantava desde muito pequeno. Cantar
fado aconteceu muito por culpa da minha mãe que me inscreveu na Grande Noite do
Fado, em 1999. O fado foi entrando na minha vida a partir do momento que venci
essa Grande Noite do Fado e poucos meses depois comecei a cantar no Café Luso,
no Bairro Alto.
Em 2006, lança o 1.º álbum, “Fados da tristeza
alegre”… são fados contraditórios? A tristeza pode ser alegre, Marco?
Um dos temas chave de Fados da Tristeza
Alegre é o tema Canto da Tristeza Alegre (letra de António Lobo Antunes) que
deu o mote para o nome do álbum composto por fados tradicionais, musicados e
canções.
Há de facto situações em que a tristeza
nos invade a alma. Isso é essencial para vivermos em pleno a alegria e a
felicidade e tudo isto pode acontecer num mesmo momento ou situação. Reconhecemos
a felicidade exatamente porque também vivemos momentos tristes.
Em 2010, chega o segundo álbum, com
compositores e letristas “de peso” (Boss AC, Inês Pedrosa, Tiago Torres da
Silva…), incluindo o próprio Marco… onde assina a composição de um fado
intitulado “Onde vou”….Onde pretende ir o Marco Rodrigues?
A vontade de criar, compor, gravar
discos e a levar a minha música às pessoas é enorme e quero, por isso,
continuar a fazer aquilo por que sou apaixonado.
Este segundo álbum de “Tantas Lisboas”,
o que pretende retratar? Os diversos azulejos e luzes da capital?
Este álbum é assumidamente uma
homenagem a Lisboa e procurei espelhar em muitos dos temas a paixão que tenho
pela cidade, pela luz, pelos lugares, pelas pessoas… como acontece em temas
como Tantas Lisboas e O Homem do Saldanha, este último uma justíssima homenagem
ao Senhor João Serra, uma personagem da Lisboa dos nossos dias.
Passou, literalmente, “um ano na
estrada”… o que se aprende? Onde se colocam as saudades de casa? Há tempo para
compor, nos intervalos?
É muito gratificante poder percorrer o
país e estrangeiro fazendo o que nos dá mais prazer. Em cada local contactamos
com novas pessoas, com outros costumes e culturas e conhecem-se sítios fantásticos.
E isto é muito enriquecedor para mim, enquanto cantor, músico e compositor.
Fazemos da equipa (músicos e técnicos)
a nossa família e criam-se laços muito fortes que ajudam a superar as saudades
de casa.
Há sempre tempo para compor… por vezes
surge, de repente, uma melodia que não me sai da cabeça, em qualquer local, e a
partir daí começo a compor.
Como é a relação com o público nestas
digressões? Vai do plateau aos bastidores?
É sempre muito bom receber o carinho e
o reconhecimento do público e gosto particularmente de falar com as pessoas no
final dos concertos. Atualmente, sobretudo devido às redes sociais, este
contacto acontece, por vezes, mesmo antes dos concertos ao vivo. É muito
frequente receber mensagens e comentários na minha página no Facebook e procuro responder sempre a todos. É muito interessante ver esta
proximidade virtual tornar-se real quando (re)conheço nos concertos os fãs e
amigos que vão deixando comentários muito carinhosos na página.
No passado dia 26 de Maio, fez a
primeira parte do concerto da Maria Gadú, no Porto… o seu nome não é muito
conhecido na Invicta, mas o Coliseu aplaudi-o em pé…. Para quando, um concerto
exclusivo, no Porto?
O concerto no Porto acontecerá logo que
surja o convite e estejam reunidas todas as condições para apresentar a minha
música. Será um prazer estar no Porto, uma cidade com um público tão caloroso e
que sabe receber tão bem um artista. Foi isso que testemunhei no concerto no
Coliseu, quer na minha atuação quer durante o concerto da Maria Gadú.
“O fado do estudante” deixou o Coliseu
do Porto ao rubro… sabe bem interpretar temas como estes, que nos transportam
para figuras imortais como Vasco Santana?
O Fado do Estudante tem efetivamente
uma melodia muito rica que nos provoca imediatamente um sorriso. É também um
dos temas que todos reconhecemos dos clássicos filmes do cinema português, no
caso A Canção de Lisboa, com o célebre Vasco Santana.
Aconteceu no Coliseu do Porto, e
acontece em todos os concertos… as pessoas cantam, vibram e sorriem quando
canto o Fado do Estudante. O que prova mais uma vez que o fado não é apenas uma
música triste e melancólica.
Onde se sente mais “em casa”? Em
Amarante, Arcos de Valdevez ou Lisboa? Ou… não importa o lugar, basta ter uma
guitarra por perto?
Qualquer que seja o lugar, terá que ter
sempre uma viola ou uma guitarra por perto. A música (e não só o fado) faz-me
sentir bem independentemente do local onde estou. Amarante, Arcos de Valdez e
Lisboa são locais igualmente importantes na minha vida porque as minhas
memórias, recordações e vivências passam naturalmente por estes lugares.
No passado dia 11 de Julho foi
agraciado com a medalha de mérito cultural pela Câmara Municipal de Arcos de
Valdevez… foi um local que o viu crescer… este gesto deixou-o, de alguma forma,
sensibilizado? Não foi só “mais um prémio”, pois não, Marco?
Receber esta medalha foi uma grande
honra. Desde logo porque é muito bom sermos reconhecidos pelo nosso trabalho e
sinto uma imensa realização e uma forte convicção de que escolhi o trilho certo.
Depois porque vivi quase toda a infância em Arcos de Valdevez. Quando soube que
o meu nome tinha sido indicado pelo Presidente da Câmara de Arcos de Valdevez
para a atribuição da medalha de mérito cultural fiquei, claro, muito feliz e
honrado. Esta medalha é também de todos aqueles que têm acompanhado o meu
trabalho.
Há quem lhe chame “uma voz do novo Fado
ou da nova geração”…gosta deste “rótulo”? Existe um novo Fado? De facto,
existem nomes como Ana Moura, Mafalda Arnauth, Raquel Tavares, entre tantos
outros… que vestiram o fado de uma outra forma. A minha geração não gostava de
Fado e passou a gostar…
A música que ouvimos e o tempo e espaço
onde vivemos influenciam diretamente a música que fazemos logo, naturalmente,
todas as músicas do mundo vão sofrendo alterações com as novas gerações que vão
aparecendo e o fado não é exceção. É importante sim conhecer muito bem as bases
para poder depois construir sobre elas. Não é necessário que fiquemos presos a
demasiadas regras. A própria Amália Rodrigues foi isso que fez. Julgo que não
há um novo fado… há o fado que todos nós fadistas, junto com os músicos que nos
acompanham, fazemos hoje.
Acha que o Fado está na moda?
O facto de hoje emergir uma novíssima geração de fadistas, músicos e
inclusive letristas, ainda muitos novos, vem contrariar a ideia que o fado está
na moda… o fado está, sim, vivo.
Já mencionou, em entrevistas anteriores,
que “vou deixando que outras influências musicais interfiram na minha criação”…
que influências são essas?
A música que ouço, as pessoas com que me
relaciono, os espaços e locais que tenho à minha volta, as viagens, a moda, a
arte, as experiências diárias que vivo… enfim, tudo nos influencia e influencia
também a nossa música, e isso acontece com qualquer músico no mundo.
Tem noção que as suas interpretações, a
sua projeção vocal, a sua entrega ao que faz mexe com a alma da gente? Toda a
gente sente um “incómodo bom”… o prazer de ouvir alguém a cantar com o coração…
O fadista tem que saber interpretar
todo o sentimento do fado para que sinta profundamente cada palavra cantada. A
própria música tem uma intensidade tal que, aliada à criatividade e à verdade
do fadista, ao ser cantada em Madrid, Nova Iorque, ou em qualquer outro local
do mundo, faz com que o público se sinta como se sentiria se estivesse em um
qualquer bairro de Lisboa e, assim, entenda o fado tal como ele é. Se é isto
que as minhas interpretações despertam no público fico muito feliz.
Sempre quis ser fadista ou nem sequer
estava nos seus planos?
Quando entrei numa casa de fados pela primeira
vez fiquei completamente apaixonado… percebi que, para além de uma música
intensa, melodicamente muito rica e acompanhada pela guitarra portuguesa - um
instrumento único que preenche a respiração do intérprete - existe um
misticismo que abraça tudo isto e faz com que o Fado seja uma música distinta.
Acredito que não fui eu que decidi ser fadista mas sim que fui escolhido.
Gosta de cantar em dueto? Porquê?
Em primeiro lugar gosto de cantar.
Cantar em dueto é um prolongamento desta paixão. A partilha musical e cultural
é muito enriquecedora e uma mais-valia para um intérprete.
Eu e o Tiago Machado, o produtor do
Tantas Lisboas, pensámos nos duetos desse disco, de forma muito natural, à
medida que íamos trabalhando os temas O Homem do Saldanha (dueto com Carlos do
Carmo, música de Tiago Machado, letra de Boss AC) e Valsa das Paixões (dueto
com Mafalda Arnauth, música de Tiago Machado, letra de Tiago Torres da Silva).
Carlos do Carmo, é uma das minhas
maiores referências e cantou já algumas figuras da cidade de Lisboa. Mafalda
Arnauth é uma amiga de longa data, com o timbre indicado para um tema
principesco que nos remete para um baile num salão de um imponente castelo.
O dueto com Maria Gadú surgiu também de
forma natural. Conheci a Maria em 2010 e, desde então, tornámo-nos bons amigos.
Conhecemo-nos quando a Maria Gadú procura uma casa de fados em Lisboa e vai ao
Café Luso. Depois disso encontrámo-nos mais algumas vezes e num desses
reencontros surgiu o convite da Maria que me deixou muito feliz. Foi um
privilégio poder cantar A Valsa, no CD Mais uma Página.
Para quando um novo projeto musical?
Há já alguns meses que venho
trabalhando para um novo disco, com a recolha de poemas, de composições etc. mas
não há ainda uma data definida para a edição de um novo trabalho. Aproveito
para fazer um convite a todos… será um prazer receber-vos na minha página no Facebook. Por lá vou partilhando momentos, fotografias, datas dos concertos,
vídeos e as novidades que forem surgindo.
O Fado está muito ligado a sentimentos
bem profundos e portugueses… a saudade…a nostalgia… é um
homem feliz?
Sim, enquanto houver música J
O que o faz SER feliz?
A música, as pessoas e o facto de o
público gostar da música que faço. J
Marco, muito obrigada…. Foi um prazer
imenso estar ao lado de uma das vozes que mais me marca e enche a alma…
Desejo-lhe todos os sucessos e espero que nos possamos cruzar, quiçá, na Adega
Machado, ou no Coliseu do Porto, muito em breve.
E agora, meus amigos, Silêncio, que se
vai cantar o Fado….
"Ausência"
"O Homem do Saldanha" com Carlos do Carmo
"Valsa das Paixões" com Mafalda Arnauth....é que, dá mesmo vontade de entrar no embalo e dançar....
"Valsa das Paixões" com Mafalda Arnauth....é que, dá mesmo vontade de entrar no embalo e dançar....
"A Valsa" com Maria Gadú
"Fado do Estudante"
Próximos concertos
de Marco Rodrigues:
- Cascais | 22 setembro, Espaço Confluência, 22 h
- Almada | 12 outubro, Teatro Municipal, 21h30
Profissional, escrita fluída e de fácil compreensão, atenta aos pormenores, como sempre: FANTÁSTICA. Obrigado pela partilha minha querida
ResponderEliminarEu é que estarei eternamente grata por todo o apoio que me têm dado.
ResponderEliminarUm grande beijinho.
Um privilégio ouvir os meus versos na voz do Marco que além de grande fadista é um bom amigo! Obrigado, Maria Inês!
ResponderEliminarEu é que agradeço e aplaudo, de pé, essas magníficas palavras.
ResponderEliminarMuito obrigada pelo seu comentário.