domingo, 13 de dezembro de 2015

Bárbara Guerra Leal...uma cientista portuguesa, com certeza...




Num país, onde a ciência é tão maltratada ( e os bolseiros também), a jovem Bárbara estuda, com alma e coração, uma doença que afecta milhões no mundo inteiro... um mundo, para muitos, desconhecido e imenso de ciência, comportamentos, presenças e ausências.
Querem espreitar o universo desta cientista dedicada à epilepsia?

Comecemos pelo início... o que é a epilepsia?

A epilepsia é a doença neurológica mais frequente em todo o mundo afectando 4-6 em cada mil habitantes num total de mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Estima-se que haja cerca de 50 novos casos por 100 mil habitantes por ano. A maioria destes casos surge em países subdesenvolvidos. Esta doença afecta pessoas de todos os sexos, idades, raças e classes sociais. O termo epilepsia designa um grupo de síndromes que se caracterizam pela ocorrência de crises epilépticas recorrentes. Estas crises surgem quando há desequilíbrio na actividade cerebral. Em situações normais, os nossos neurónios são excitados para que haja transmissão de uma “mensagem” que nos faz responder a determinado estímulo do meio e que se manifesta numa determinada acção do nosso organismo, por exemplo uma contracção muscular. Mas depois de essa mensagem ser transmitida, os neurónios são inibidos para que não haja uma estimulação em excesso. Numa crise epiléptica estes mecanismos de excitação e inibição estão desregulados fazendo com que haja uma “híper-excitação” neuronal ou seja uma “hiperactividade” (digamos assim) celular.  Esta actividade elétrica neuronal altrada é breve, surge repentinamente e pode afectar momentameamente a maneira como a pessoa se move, se comporta ou se sente. 
 
Nasce-se epiléptico ou podemos tornarmo-nos epiléticos?
Pode nascer-se epiléptico, por exemplo epilepsias originadas por malformações corticais. Ou uma pessoa pode tornar-se epiléptica, por exemplo epilepsias que se desenvolvem após um traumatismo crânio-encefálico. Eu acredito, no entanto, que mesmo nestes casos tudo depende da nossa constituição genética (que nasce connosco) que condiciona toda a resposta do nosso organismo ao ambiente que o rodeia.
Bárbara junto da imagem de um neurónio, em Paris.
 
Existem vários tipos de epilepsia? Mais perigosas e menos perigosas?
 
Sim existem diferentes tipos de epilepsia. As epilepsias podem ser classificadas segundo a causa – metabólica, imune, estrutural, genética ou de causa desconhecida – e podem ainda ser classificadas de acordo com a localização da crise – generalizada (afecta ambos os hemisférios cerebrais), parcial ou focal (em que a actividade anómala se restringe a um região cerebral). As crises parciais podem ser simples em que não há perda de consciência mas as pessoas podem ter movimentos espasmódicos de uma parte do corpo ou auras sensitivas, epigástricas, olfactivas ou emocionais como por exemplo um medo inexplicado. Esta manifestação variada depende da área cerebral afectada. Nas crises parciais complexas a pessoa parece consciente mas está “irresponsiva” com um olhar distante ou movimentos rítmicos repetidos. As crises tónico-clónicas generalizadas são das mais perigosas. Nestas crises há contração simultânea de todos os músculos durante um curto período de tempo podendo haver perda de consciência e até paragem respiratória. Esta contracção é seguida de movimentos espasmódicos. A seguir a esta crise pode haver momentos de confusão mental e sonolência com dores de cabeça e dores musculares. Algumas pessoas têm crises tipo ausências com breves momentos de perda de consciência podendo haver movimentos rítmicos repetidos ou apenas olhar vazio e o retorno ao estado normal acontece rapidamente.
 
O diagnóstico da epilepsia é fácil? As pessoas podem estar atentas a determinados sinais?
 
O diagnóstico de epilepsia é essencialmente clinico com recurso a meios complementares como o electroencefalograma (EEG), a ressonância magnética (RMN) ou a tomografia axial computurizada (TAC). Convém referir que cerca de 10% da população mundial pode ter uma única crise epiléptica na vida devido aos mais variados factores como hipoglicemia, drogas ou outros. Estas pessoas não se consideram epilepticas. Para haver o diagnóstico de epilepsia tem que haver a ocorrência de pelo menos duas crises epilépticas “não provocadas”. De qualquer forma sempre que uma pessoa apresente algum destes sintomas, ou tenha uma crise o mais aconselhado é consultar um neurologista que depois o encaminhara para fazer os exames adequados.
Como deve agir quem está perto de um familiar, ou amigo, quando tem uma crise?
Primeira coisa é não entrar em pânico. Se for o caso de uma crise tónico-clónica generalizada deitar a pessoa e colocar um casaco, a mão ou algo para proteger a cabeça de bater no chão ou objectos, Quando a convulsão acabar colocar a pessoa na posição lateral e alargar a roupa à volta do pescoço. É importante que não se se dê de beber, nem se coloque nada na boca do doente durante a convulsão. Não se deve tentar acordar nem levantar nem forçar a pessoa a ficar quieta. Deve sempre acompanhar a pessoa até que a consciência seja recuperada e a respiração volte ao normal. Em casos de auras ou ausências deve-se proteger o doente de algum perigo iminente e ficar com ele até recuperar a consciência. Quando não se sabe o que fazer, se as crises durarem mais de 5 minutos, se houver muitas crises repetidas sem recuperação de consciência entre elas ou se for a primeira crise da pessoa deve-se ligar para o 112 ou para a linha saúde 24.
Que estilo de vida se pode/ deve recomendar a um epiléptico? É sabido que, o descanso é essencial, certo? Alguns cuidados a ter?
O descanso é muito importante sim. É importante ter um sono de qualidade e em quantidade em horários regulares. E depois ter um estilo de vida saúdavel como uma alimentação equilibrada. Em casos de crises causadas por factores externos (como vídeo-jogos ou luz) evitar esses factores. E ter sempre muito cuidado com a medicação. É fundamental fazer sempre a terapêutica como receitado pelo médico.
 
A que tipo de congressos vais?
Vou a congressos de diferentes tipos nacionais e internacionais. Vou a congressos de neurologia mais voltados para a parte clinica mas que dedicam uma parte das suas sessões à parte de investigação mais básica e vou também a congressos de genética.
Posters da Bárbara, num congresso, em Londres.
 
 
Em que país, a investigação nesta área, se encontra mais avançada?
Há grupos muito bons e de referência em vários países como a Holanda, Inglaterra, Estados Unidos. Uma coisa que se tem vindo a verificar, e ainda bem, é que estes grupos têm colaborado em grandes investigações conjuntas. O grupo de investigação de que faço parte foi já convidado a participar num grande estudo genético que envolveu vários países europeus e que era liderado por um grupo de Londres. É importante começar-se a perceber que estas investigações conjuntas é que nos vão permitir avançar no conhecimento da epilepsia. Estas colaborações são sem dúvida fundamentais.
 
Como vai a saúde da investigação em epilepsia, em Portugal?
Vai mal, infelizmente… e o problema é que não é só a área da epilepsia afectada mas sim toda a investigação científica. Houve muitos cortes nos apoios que o estado dá à investigação. Cortaram fundos aos institutos, diminuíram o número de bolsas para doutorandos e pós-doc. E cá não há como existe, por exemplo nos Estados Unidos, mecenas ou apoios privados. Tirando poucos e raros apoios de indústrias farmacêuticas e de pequenas bolsas atribuídas, por exemplo pelas ligas de cada doença, o grande financiamento da ciência em Portugal vem do Estado. E com estas medidas que estão a ser tomadas está cada vez mais difícil fazer investigação científica em Portugal.
 
Há cura para a epilepsia?
Neste momento, não. A cura implica que se saiba qual o mecanismo que leva ao desenvolvimento de epilepsia e qual a sua origem e isso não acontece na maioria das epilepsias. O que se consegue é controlar as crises epilépticas com medicação. Esse controlo das crises é conseguido em cerca de 70% dos doentes e há até casos de doentes que ao fim de vários anos podem deixar de tomar medicação. Os cerca de 30% dos doentes que não respondem à farmacoterapia (refractários) outras opções terapêuticas como a electroestimulação, a aderência à dieta cetogénica (rica em gorduras e quantidades reduzidas de hidratos de carbono e proteínas) ou a cirurgia podem ser consideradas. Claro que tudo depende das características das crises epilépticas e dos doentes em questão (e isso é uma área clinica na qual não expert). Por exemplo nem todos os doentes são candidatos a cirurgia. E mesmo depois da cirurgia (em que é removida a área em que se verifica a actividade celular anormal) é necessário que os doentes tomem medicação pelo menos durante algum tempo.
 
Na pesquisa que fiz sobre este tema central da nossa conversa, encontrei informação sobre a Associação Portuguesa de familiares, amigos e pessoas com epilepsia. Quão importante poderá ser para um doente, ou familiar, juntar-se a uma associação que atua no âmbito do voluntariado, serviço social, consulta de psicologia, grupos de ajuda mútua?
Na minha opinião é essencial que as pessoas, doentes, familiares e amigos mais próximos, se informem bem sobre o que é a epilepsia, como actuar, quão importante é tomar a medicação e fazer a terapêutica adequada. Muita dessa informação é transmitida, claro, pelo médico e equipa que seguem esses doentes. Mas, pelo menos para mim, é importante as pessoas fazerem parte de uma liga ou associação de doentes. Estas associações, além do apoio logístico que podem dar, são muito importantes para os doentes e familiares perceberem que não estão sozinhos. Para poderem partilhar experiências e poderem contar a sua história.
 
Tens algum feedback da marginalização social perante os doentes epiléticos como, por exemplo, no emprego?
Eu não contacto directamente com os doentes e como o trabalho que desenvolvo não tem muito a ver com dados psicossociais não te posso dizer muito sobre isso. Sei que os doentes mão podem exercer todo o tipo de profissão. Por exemplo as que envolvem manuseamento de máquinas ou condução são mais difíceis de ser exercidas por doentes epilépticos. Isto por questões de segurança não só de terceiros mas também do próprio doente. Sei também que a taxa de desemprego e muito superior nestes doentes comparativamente à população em geral. Mas de resto não te sei dizer mais nada…
A “Epilepsia é mais do que ter crises”?
Sem dúvida que sim, é muito mais do que isso. E esse é precisamente o tema lançado pela liga internacional contra a epilepsia (ILAE) na companha de 2014/2015. E esta frase pode ter duas interpretações. Por um lado temos os doentes que têm a epilepsia controlada com medicação diária e que aos poucos começam a retomar as suas actividades quotidianas. No entanto, estes doentes vivem na angústia da possibilidade de ocorrência de uma nova crise epileptica. Para estes doentes “epilepsia é mais do que ter crises” significa que há vida para além das crises epilépticas. Por outro lado temos os casos mais graves que são os que não são controlados com medicação em que “epilepsia é mais do que ter crises” nos leva a perceber que associado às crises epilépticas existem alterações noutras áreas por exemplo cogniticas, sociais e comportamentais. Este grupo de doentes tem maior índice de morbilidade e mortalidade
 
Sendo tu, uma “menina das ciências”, consegues divagar pela literatura e outras artes? Que mais te preenche para além da ciência? Fala-me das tuas paixões…
Sim tem que haver tempo para tudo. E passarmos tempo a fazermos outras coisas que gostamos ajuda-nos, penso eu, a sermos melhores pessoas e consequentemente a sermos melhores investigadores. A ciência é o meu trabalho mas é também uma paixão que se completa com outras. Gosto muito de fotografia e de cinema (não me considero cinéfila mas sim uma viciada :p é uma boa maneira de por algumas horas conseguirmos fugir à realidade) Adoro viajar: ter contacto com outras culturas e costumes, visitar locais com que sempre sonhei, ver in loco imagens que se conhece só de postais ou de livros… é indiscritível e um prazer imenso. Mas também adoro passear pelo ”meu Porto” com as suas ruas encantadoras. As leituras é que não andam assim muito bem apesar de gostar muito de ler (uma outra forma de “viajar”). Neste momento (e é uma vergonha dizer isto) além do necessário para o trabalho, leio muito pouco (cerca de 3 livros por ano). Leio essencialmente livros de suspense, policiais e alguns romances históricos. E também faço algum desporto: com algumas caminhadas e corridas ;)
 
O que te faz SER Feliz?
Faz-me feliz saber que as “minhas pessoas” estão bem, sou feliz quando chego ao fim do dia e sinto que cumpri a minha missão.
Sou feliz quando estou com os meus amigos.
Sou feliz porque tenho a sorte de trabalhar na área com que sonho desde miúda. E se é verdade que, nem todos os dias correm bem, temos que aproveitar os momentos felizes ao máximo e perceber que a felicidade está nestas pequenas coisas que fazem parte do nosso mundo!
Granada
 
Pateira - Aveiro
Bélgica
 
 
 
E é assim que nos despedimos desta cientista... entre o estudo e as viagens.
Dois caminhos felizes a inspirar todo um universo de leitores sedentos de conhecimento.
Obrigada, Bárbara!
 
 
Aos meus leitores, agradeço a fidelidade e as partilhas que têm vindo a fazer com que o "Conversas Felizes" seja, cada vez, mais conhecido.
Até à próxima conversa!
 
 
Inês Monteiro
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

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